terça-feira, 26 de junho de 2007

A Modinha


A maioria dos pesquisadores brasileiros costuma classificar a modinha como a primeira manifestação popular musical civilizada tipicamente brasileira. Seu estudo, porém, só começou a ser desenvolvido a partir de 1930 quando Mário de Andrade publicou suas Modinhas Imperiais.
A data precisa do nascimento da modinha é questionada pelos diversos estudiosos mas há documentos que lhe fazem referência desde 1787. É o caso, por exemplo, de William Beckford, um aristocrata inglês, que em seu Diário registra na data de 14 de junho de 1787 o seguinte:
Numa janela, imediatamente acima da fonte luzidia de Sua Reverendíssima, avistamos as duas belas irmãs, damas de honor da Rainha, acenando-nos convidativamente para que galgássemos vários lanços de escada, até os seus aposentos que estavam apinhados de sobrinhos, sobrinhas e primos aglomerados em torno de duas jovens muito elegantes, as quais, acompanhadas pelos seus mestres de canto, cantavam modinhas brasileiras. Aqueles que nunca ouviram este original gênero de música, ignoram e permanecerão ignorando as melodias mais fascinantes que jamais existiram.
Beckford ouvia essas modinhas nos paços da Rainha D. Maria I, em Lisboa. Mas, que modinhas seriam essas ?
Segundo pesquisas de Mozart de Araujo já em 1775 vários historiadores mencionavam a presença nos Palácios de diversas cidades portuguesas, de um brasileiro que ao som de uma viola de arame cantava modinhas e lundus - Domingos Caldas Barbosa - e dele eram, provavelmente, as modinhas brasileiras ouvidas por Beckford.
Foi Domingos Caldas Barbosa o primeiro a empregar a palavra modinha para designar o tipo de música que cantava. Segundo Mozart de Araujo, enquanto autores portugueses da época usavam o termo genérico de moda para designar as cantigas, romances e árias de salão que compunham para os saraus da nobreza lisboeta, Domingos Caldas Barbosa, modestamente, designava as suas modas com o diminutivo simples de modinhas.
Domingos Caldas Barbosa era um mulato filho de um português com uma angolana nascido no Rio de Janeiro por volta de 1739 e falecido em Lisboa em 9 de novembro de 1800. Sua educação foi iniciada pelos jesuítas. Mandado para Portugal em 1763, prosseguiu seus estudos em Coimbra mas a grande fase de sua vida foi vivida em Lisboa onde se celebrizou pelas trovas improvisadas ao som da sua viola de corda de arame. Segundo alguns pesquisadores, entre dezenas de composições suas sobraram muitos versos que foram musicados por outros e apenas uma peça completa - letra e música - intitulada Ora à Deus, senhora Ulina. Suas composições encontram-se reunidas no livro Viola de Lereno, pseudônimo que ele adotou para suas composições musicais.
Apesar de considerado o pioneiro da modinha brasileira, Caldas Barbosa não foi o único compositor brasileiro a brilhar pelo seu talento de compositor naquela época. Descobriu-se, mais tarde, que no início do Século XIX vivia no Rio de Janeiro um outro músico popular que causaria uma profunda impressão a alguns viajantes que escreveram sobre o Brasil daquela época. Era Joaquim Manoel da Câmara. Há um depoimento de Freycinet, datado de 1817 que diz:
Nada me pareceu mais espantoso do que o raro talento na guitarra do mulato Joaquim Manoel. Sob seus dedos o instrumento tinha um encanto inexprimível que nunca mais encontrei entre os nossos guitarristas europeus mais notáveis. Esse músico é também autor de várias "modinhas", gênero de romances muito agradáveis, das quais Neukomm publicou em Paris uma coletânea.
E quem foi Neukomm ? Sigismundo Neukomm foi um famoso músico austríaco, discípulo predileto de Haydn, que viveu no Rio de Janeiro de 1816 a 1821 e aqui foi mestre do Príncipe D.Pedro, de sua mulher D. Leopoldina, da Infanta D. Isabel Maria e também de Francisco Manoel da Silva, o autor do Hino Nacional Brasileiro. Encantou-se com o talento de Joaquim Manoel e ao regressar à Europa fez imprimir em Paris, em 1824, um álbum de 20 modinhas de Joaquim Manoel.
Outro importante músico e compositor de modinhas conhecido dos brasileiros foi Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) o mais celebrado poeta da colônia, autor do famoso livro "Marília de Dirceu" e partícipe da famosa Inconfidência Mineira.
Segundo Mozart de Araujo, há registros de modinhas recolhidas em São Paulo e Minas Gerais em 1817-1818 figurando entre elas, algumas em que Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) celebra os encantos da sua Marília (Maria Joaquina Dorotéia de Seixas).
Já no Império, muitos nomes se tornaram célebres como compositores de modinhas e, entre eles, Gabriel Fernandes Trindade - considerado o primeiro autor de modinhas a ser impressa no país; o Padre Teles Leal - pertencente a uma família de músicos; e uma Dona Mariana, que além de compositora era exímia cantora de modinha no Rio de Janeiro. Seria ela a precursora da nossa famosa Maestrina Chiquinha Gonzaga.
A respeito da vida desses modinheiros - diz Mozart de Araujo - nada se sabe. De sua obra, entretanto, salvaram-se algumas peças, hoje raríssimas.
O mais importante músico desta época é Cândido Inácio da Silva considerado ora como mineiro, ora como carioca. Teria nascido provavelmente em 1805 e falecido em 1838.
Segundo Mário de Andrade, a Cândido Inácio da Silva se devem as mais belas e mais estimadas modinhas do nosso Primeiro Império. Cândido, que era além de compositor, cantor e instrumentista de viola e violino, foi discípulo do Padre José Mauricio e de Francisco Manoel da Silva - um dos autores do nosso Hino Nacional. Dentre suas composições conhecidas destacam-se Quando as glorias que gozei, Busco a campina serena, A hora em que ti não vejo, Minha Marília não vive, Um só tormento de amor e outras.
Outros nomes que não podem ser esquecidos nesta fase são o Padre José Maurício e Marcos Portugal. Do primeiro se destaca a modinha Beijo a mão que me condena com letra do seu filho. Do segundo a música colocada numa poesia de Domingos Caldas Barbosa e da qual resultou a modinha chamada Você trata o amor em brinco.
O Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) é considerado por muitos o maior nome da música colonial do Brasil. Deixou uma vasta obra classificada por alguns pesquisadores como barroca, no que é contestado por outros que a consideram provindo diretamente do classicismo vienense. Como Caldas Barbosa e Joaquim Manoel, o Padre José Maurício era também filho de negra com pai branco.
Marcos Portugal, por seu turno, era Português, de família fidalga e aqui chegou por volta de 1811. Era compositor e considerado o maior músico do reino. Além de uma produção rigorosamente erudita, deixou modinhas, algumas das quais com letra de Caldas Barbosa ou Tomás Antônio Gonzaga.
No início do Segundo Reinado, as modinhas passaram a ser dos poetas ou seja as melhores poesias da época eram musicadas e apresentadas sob a forma de modinha ao público. Segundo Mozart de Araujo "desejosos de conseguirem projeção e de se aproveitarem do prestígio que a "modinha" desfrutava, compositores estrangeiros passaram a musicar poemas dos nossos melhores poetas tais como Gonçalves Dias, Laurindo Rabelo, Alvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves e outros. Surgem então novas modinhas de autores brasileiros onde se encontram uma "melódica vernácula, valorizada pela prosódia, pelo jeito de interpretar e pelos maneios melódicos do violão popular".
Diz ainda Mozart de Araujo que a partir de então a modinha brasileira se diferencia das canções dos outros povos pelo seu conteúdo de lirismo, de ternura, de saudade. Foi dessa modinha que Mário de Andrade extraiu a sua definição lapidar: "A modinha é um suspiro de amor".
Há muitas modinhas famosas cujo autor é desconhecido. Vez por outra aparece algum pesquisador tentando atribuir a esse ou àquele nome a autoria de tais modinhas sem contudo convencer à maioria, continuando, assim, a ser consideradas de autoria anônima.
A mais famosa delas é sem dúvida, A Casinha pequenina mas podemos citar outras de igual fama: Perdão Emilia, Hei de amar-te até morrer, Se os meus suspiros pudessem, Acordai donzela, Moreninha, Se eu te pedisse, Escrevi teu nome na areia, Acorda Adalgisa, Elvira escuta, Quisera amar-te, Sereno da madrugada e outras.
Mais recentemente, já no século XX, Catullo da Paixão Cearense e Villa-Lobos são os compositores de modinhas que mais se destacaram sendo que Catullo se tornou um clássico desse gênero.

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